como não sucumbir às sombras
que fazem escurecer o dia
ao ruído, mínimo, que é cruzar a porta
[essas coisas que rompemos com as mãos]
uma noite apenas
para tanta fome
e um céu
como se falássemos
como não sucumbir às sombras
que fazem escurecer o dia
ao ruído, mínimo, que é cruzar a porta
[essas coisas que rompemos com as mãos]
uma noite apenas
para tanta fome
e um céu
como se falássemos
um rio que seja para esta fome de raízes
não saberemos da morte
do seu rosto exposto ao sol
ou da memória que vestirá nossos ombros
como a água que se move
eu tenho pressa
da árvore saber ouvir
o que lhe escapa
os olhos como duas pedras
arremessadas contra o rio
entre o tronco e a raiz
há um rumor que ignoro
falaremos da luz que invade a casa
e dos abismos que se instalam
todas as manhãs
nos andaimes que cercam a rua
sobretudo das raízes que lançamos
para encobrir a noite
e dos mortos
que nunca dormem
eis tudo o que tenho:
recontar as pedras
e colocá-las junto ao rio
erguer a ponte
onde tudo se move
que seja breve
a mão do tempo
que planta cidades
na boca do homem
das dores que também são pássaros
e preparam a pele para o esquecimento
um rosto, um músculo
– ainda que ásperos –
a desertar entre as pedras
a prata entre as mãos
que não sabem
haveria tanto a dizer
sobre esta flor na qual pisamos
a mesma flor que enfeitará
o coração entre os rios
ou a janela nos últimos andares
um tempo em que as manhãs
não eram iguais
tempo de navios desabitados
esta fala silenciada pelas âncoras
o corpo que pende das mãos
de um deus que não
se agita feito o mar
a sede de quem se move
entre as águas
não abandonaremos a casa
tampouco a memória das chuvas
as plantas que abraçaram os muros
a precariedade dos telhados
há um novo deserto para tudo
uma noite apenas
para as mãos que removem a terra
e plantam este cansaço
dos olhos às raízes
a palavra âncora
rompendo o chão